segunda-feira, 23 de setembro de 2024

Inquisição - Parte 4 - A

 Igreja Católica: A Verdadeira Bruxa - A

Capa do livro Malleus Maleficarum, edição de 1576. Este livro transformou superstição em "realidade" e, desta "realidade", em morticínio de inocentes.
Junto com outros livros da Inquisição, estava sempre sendo renovado e "aperfeiçoado". Hoje constitui prova irrefutável da brutalidade da Igreja Católica medieval, pois foi ela própria que o produziu.
A Igreja diz hoje que "proibiu o livro", o que é uma mentira. O "Index Librorum Prohibitorum" (ou "lista de livros Proibidos") da Igreja, publicado pela primeira vez em 1559 no Concílio de Trento (1545 à 1563) e revisado pela última vez em 1948, continha livros de diversos autores, cientistas, filósofos e até de pensadores como Galileu Galilei (1564 - 1642). Mas não tinha nenhum dos manuais da Inquisição.
Todos os "livros proibidos" eram dos que discordavam dos dogmas católicos, dogmas estes produzidos por interpretações equivocadas e caprichos de papas. O Index rejeitava tudo, mesmo que fossem dados científicos comprovados. E em nenhuma das "revisões" se incluiu os livros da Inquisição.
Em 1966, o Papa Paulo VI aboliu o Index por se tornar obsoleto. Mas ele está disponível até hoje e constitui mais uma prova de que a Igreja lutou contra a ciência objetiva, tentou fazer com que a humanidade ocidental permanecesse em trevas e, no caso da Inquisição, que não se arrependeu dos crimes cometidos na nela.

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- Aumentando o Leque de Acusações -
A Europa já estava há mais de 300 anos suportando o peso das Inquisições da Igreja. Durante esse período, as "escolas" eram todas dirigidas pela Igreja e tudo o que se ensinava aos poucos que as frequentavam (geralmente os mais abastados) eram os dogmas católicos. Para que alguém pudesse aprender a ler precisava ter alguém que já sabia e estar disposto ensinar. 
Além disso a Igreja desestimulava o ensino normal ao povo de forma que a instrução acadêmica ficou restrita a poucos. O povo foi ficando, quase que inteiramente, analfabeto e rude. Isso, do ponto de vista da Igreja, era "bom". Incentivando crenças pagãs que causavam medo, como anjos e demônios vingadores, possessões, inferno ardente, castigos divinos, etc., ela, pelo medo, dominava mais facilmente.
Em tal ambiente de estupidez, causada diretamente pela Igreja, surgiu no povo a superstição das "bruxas". Assim, das crenças do paganismo antigo, se desenvolveu, na Idade Medieval, a concepção popular, inexplicável do ponto de vista lógico, religioso e também por pura histeria, que as "bruxas" eram as culpadas por tudo. Se não chovia, a culpa era das bruxas; se chovia demais, era culpa delas; se aparecesse uma doença em alguém, só podia ser obra das bruxas. Até mesmo se uma mulher fosse bonita podia ser considerada "filha do Demônio", por promover a tentação.
Os prelados da Igreja, obviamente mais instruídos do que o restante do povo, poderiam ter combatido essa superstição que agitava o já maltratado povo. Mas, ao invés disso, eles endossaram a crença em bruxas. No leque de acusações contra as pessoas, a igreja não usaria só o termo "herege", mas também o termo "bruxaria".
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- Quando a Superstição se Tornou "Verdade" -
Naquela época era o Papa Inocêncio VIII (1432 - 1492), que estava no poder temporal da Igreja. Esse papa ficou mais conhecido por ter protagonizado o que seria chamado de primeira transfusão de sangue da História. 
Em 1492, sob "orientação médica", havia bebido o sangue de três meninos de 10 anos (obviamente sequestrados), matando-os, a fim de se curar da doença. O papa não se curou e acabou morrendo. O médico que receitou esse "tratamento" fugiu para não ser morto. A Igreja hoje diz que isso é lenda, mas o fato é que há registros históricos detalhados do acontecimento. - Diario della Città di Roma di Stefano Infessura (Diário da Cidade de Roma), editado pelo historiador italiano Oreste Tommasini (1844 - 1919), Roma, 1890, páginas 275, 276.
 
Oito anos antes daquele trágico evento, em 1484, Inocêncio VIII emitiu a bula "Summis Desiderantis Affectibus" (que, do latim, significa "O Mais Alto e Desesperado Afeto"), condenando a "Bruxaria", não como a superstição que realmente era, mas como "algo real e nocivo à sociedade e a fé".
Inocêncio VIII também instituiu dois inquisidores, dois teólogos dominicanos alemães, para "investigar a bruxaria": O frade Heinrich Kramer (1430 - 1505) e o monge Jacob Sprenger (1435 - 1495). O resultado dessa "investigação" veio na forma de um livro, por eles publicado em 1487: "Malleus Maleficarum" (em Latim: "Martelo das Feiticeiras"). 
Este livro ficou conhecido como "o livro mais cruel e nocivo da literatura mundial". Hoje a Igreja se defende dizendo que "proibiu o livro". Mas o fato é que, do Século XV até o final da Inquisição em 1834, no Século XIX, ou por quase 350 anos, tanto a igreja Católica como as "protestantes" usaram extensivamente este livro como "norma de combate à bruxaria".
Assim, o que era pura superstição, passou a ser "verdade" para a teologia católica.
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- O Martelo das Feiticeiras -
O livro "Martelo das Feiticeiras" (Malleus Maleficarum), como o Manual dos Inquisidores (havia outros "manuais" inquisitórios menos famosos), constitui forte prova do que realmente foi a terrível carnificina da Inquisição. 
Escrito em Latim (a igreja sempre insistiu que "a língua da Bíblia é o Latim", muito embora ela fosse originalmente escrita em hebraico e grego), e com o advento da Imprensa, surgida em 1440, o livro passou, como outros da Inquisição, a ser traduzido e "atualizado" (incluindo relatos das ações dos inquisidores) em edições posteriores.
Um desses relatos se encontra na página 72 de uma das edições. O Inquisidor mandou queimar 41 bruxas no distrito de Barby, no norte da França. Hoje Barby não tem 500 habitantes e naquela época muito menos. Se algumas mulheres não tivessem fugido, praticamente todas as mulheres do local seriam mortas.
O livro, totalmente folclórico, "explica" o que são as bruxas e como reconhecê-las. cita extensamente as palavras do filósofo "Santo" Agostinho (354 - 430) que, por sua vez, dizia coisas tão absurdas que, nos dias atuais, são vistas como não ditas por ele. 
Por exemplo, em "Sobre a Trindade III", Agostinho de Nipona diz que "o demônio pode reunir sêmen humano e transportá-lo em outras pessoas, produzindo efeitos corporais", dando a entender que uma bruxa "já nasce bruxa" (Malleus Maleficarum, Página 32). Isso justificaria a morte de crianças e homens por "bruxaria".
O livro também cita obras pagãs, falando, por exemplo, da "deusa" Vênus dando a luz a Enéas" como se fosse verdade, para justificar o "combate".
Só mesmo lendo o livro, podemos vislumbra-lo com o que foi dito dele acima, Por isso uma das edições comentadas está a disposição aqui nesta parte deste assunto (clique no link abaixo)
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- O Fim da Superstição -
Ainda hoje, há pessoas que acreditam em bruxaria. Algumas até acreditam serem bruxas. Mas, na realidade, não sabem o que isso significa ou que significou naqueles anos terríveis da Inquisição. Porém, o fim dessa superstição aconteceu ainda na época em que eram caçadas. E não foi por intervenção da Igreja ou dos Estados. Foi o próprio povo que percebeu o erro.
O espírito humano, dotado de inteligência, no coletivo, começou a se indagar se aquilo no qual acreditavam era mesmo verdade. Com a mesma facilidade que conceberam as supostas bruxas, também se perguntaram: "Se as bruxas são tão poderosas a ponto de mudar até o tempo e causar inundações, por que nada faziam diante dos inquisidores para se defenderem?" Ou "que culpa tem uma jovem de possuir uma verruga, idêntica a que os homens possuem, mas que, no caso delas, é considerada pela Igreja como "mamilo de Satanás""? A crença na bruxaria foi perdendo sentido.
Mas, ao passo que o povo ia se livrando da superstição, a Igreja lutava para mantê-la. Dizia que aqueles pensamentos populares eram "inspirados por bruxas". Mas a questão era: Se eram tão más, por que as "bruxas" só atacavam pessoas do povo, inocentes e as vezes a si próprias, ao invés de atacarem a igreja, aquela que, dizendo-se "do bem", verdadeiramente as perseguiam a as matavam?
Matar pessoas sempre esteve na consciência humana como algo contrário às Leis de Deus. E as consideradas "bruxas", muitas delas jovens e crianças, não matavam ninguém. Muitas vezes nem sequer sabiam por que estavam sendo torturadas. Algumas delas, já idosas e com a locomoção dificultada, até curavam pessoas com remédios feitos a base de ervas. Quem matava pessoas, não eram elas. Eram os assassinos, o Estado... e a Igreja.
Assim, não demorou muito para que, não as moças do povo, mas a Igreja Católica, pela devastação que causava, fosse considerada como a "bruxa medieval", aquela que causava o mal que dizia combater. Não as moças do povo, mas a Igreja Católica era a que "mantinha relações com demônios", era "inspirada por pensamentos demoníacos assassinos" e estava repleta de algozes brutais e desumanos em seu meio.
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Na próxima parte, vamos analisar, com base na documentação produzida pela própria Igreja, alguns aspectos da horrenda perseguição às "bruxas". Veremos, por exemplo, que esta perseguição às mulheres esteve ligada, em grande parte, à sexualidade reprimida e deturpada dos clérigos que a perpetraram.
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Continua.
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Links:
Malleus Maleficarum - Edição traduzida e comentada em português:
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Index Librorum Prohibitorum
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Veja a lista completa dos autores e obras "proibidos" no Index:
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