segunda-feira, 23 de setembro de 2024

Inquisição - Parte 4 - A

 Igreja Católica: A Verdadeira Bruxa - A

Capa do livro Malleus Maleficarum, edição de 1576. Este livro transformou superstição em "realidade" e, desta "realidade", em morticínio de inocentes.
Junto com outros livros da Inquisição, estava sempre sendo renovado e "aperfeiçoado". Hoje constitui prova irrefutável da brutalidade da Igreja Católica medieval, pois foi ela própria que o produziu.
A Igreja diz hoje que "proibiu o livro", o que é uma mentira. O "Index Librorum Prohibitorum" (ou "lista de livros Proibidos") da Igreja, publicado pela primeira vez em 1559 no Concílio de Trento (1545 à 1563) e revisado pela última vez em 1948, continha livros de diversos autores, cientistas, filósofos e até de pensadores como Galileu Galilei (1564 - 1642). Mas não tinha nenhum dos manuais da Inquisição.
Todos os "livros proibidos" eram dos que discordavam dos dogmas católicos, dogmas estes produzidos por interpretações equivocadas e caprichos de papas. O Index rejeitava tudo, mesmo que fossem dados científicos comprovados. E em nenhuma das "revisões" se incluiu os livros da Inquisição.
Em 1966, o Papa Paulo VI aboliu o Index por se tornar obsoleto. Mas ele está disponível até hoje e constitui mais uma prova de que a Igreja lutou contra a ciência objetiva, tentou fazer com que a humanidade ocidental permanecesse em trevas e, no caso da Inquisição, que não se arrependeu dos crimes cometidos na nela.

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- Aumentando o Leque de Acusações -
A Europa já estava há mais de 300 anos suportando o peso das Inquisições da Igreja. Durante esse período, as "escolas" eram todas dirigidas pela Igreja e tudo o que se ensinava aos poucos que as frequentavam (geralmente os mais abastados) eram os dogmas católicos. Para que alguém pudesse aprender a ler precisava ter alguém que já sabia e estar disposto ensinar. 
Além disso a Igreja desestimulava o ensino normal ao povo de forma que a instrução acadêmica ficou restrita a poucos. O povo foi ficando, quase que inteiramente, analfabeto e rude. Isso, do ponto de vista da Igreja, era "bom". Incentivando crenças pagãs que causavam medo, como anjos e demônios vingadores, possessões, inferno ardente, castigos divinos, etc., ela, pelo medo, dominava mais facilmente.
Em tal ambiente de estupidez, causada diretamente pela Igreja, surgiu no povo a superstição das "bruxas". Assim, das crenças do paganismo antigo, se desenvolveu, na Idade Medieval, a concepção popular, inexplicável do ponto de vista lógico, religioso e também por pura histeria, que as "bruxas" eram as culpadas por tudo. Se não chovia, a culpa era das bruxas; se chovia demais, era culpa delas; se aparecesse uma doença em alguém, só podia ser obra das bruxas. Até mesmo se uma mulher fosse bonita podia ser considerada "filha do Demônio", por promover a tentação.
Os prelados da Igreja, obviamente mais instruídos do que o restante do povo, poderiam ter combatido essa superstição que agitava o já maltratado povo. Mas, ao invés disso, eles endossaram a crença em bruxas. No leque de acusações contra as pessoas, a igreja não usaria só o termo "herege", mas também o termo "bruxaria".
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- Quando a Superstição se Tornou "Verdade" -
Naquela época era o Papa Inocêncio VIII (1432 - 1492), que estava no poder temporal da Igreja. Esse papa ficou mais conhecido por ter protagonizado o que seria chamado de primeira transfusão de sangue da História. 
Em 1492, sob "orientação médica", havia bebido o sangue de três meninos de 10 anos (obviamente sequestrados), matando-os, a fim de se curar da doença. O papa não se curou e acabou morrendo. O médico que receitou esse "tratamento" fugiu para não ser morto. A Igreja hoje diz que isso é lenda, mas o fato é que há registros históricos detalhados do acontecimento. - Diario della Città di Roma di Stefano Infessura (Diário da Cidade de Roma), editado pelo historiador italiano Oreste Tommasini (1844 - 1919), Roma, 1890, páginas 275, 276.
 
Oito anos antes daquele trágico evento, em 1484, Inocêncio VIII emitiu a bula "Summis Desiderantis Affectibus" (que, do latim, significa "O Mais Alto e Desesperado Afeto"), condenando a "Bruxaria", não como a superstição que realmente era, mas como "algo real e nocivo à sociedade e a fé".
Inocêncio VIII também instituiu dois inquisidores, dois teólogos dominicanos alemães, para "investigar a bruxaria": O frade Heinrich Kramer (1430 - 1505) e o monge Jacob Sprenger (1435 - 1495). O resultado dessa "investigação" veio na forma de um livro, por eles publicado em 1487: "Malleus Maleficarum" (em Latim: "Martelo das Feiticeiras"). 
Este livro ficou conhecido como "o livro mais cruel e nocivo da literatura mundial". Hoje a Igreja se defende dizendo que "proibiu o livro". Mas o fato é que, do Século XV até o final da Inquisição em 1834, no Século XIX, ou por quase 350 anos, tanto a igreja Católica como as "protestantes" usaram extensivamente este livro como "norma de combate à bruxaria".
Assim, o que era pura superstição, passou a ser "verdade" para a teologia católica.
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- O Martelo das Feiticeiras -
O livro "Martelo das Feiticeiras" (Malleus Maleficarum), como o Manual dos Inquisidores (havia outros "manuais" inquisitórios menos famosos), constitui forte prova do que realmente foi a terrível carnificina da Inquisição. 
Escrito em Latim (a igreja sempre insistiu que "a língua da Bíblia é o Latim", muito embora ela fosse originalmente escrita em hebraico e grego), e com o advento da Imprensa, surgida em 1440, o livro passou, como outros da Inquisição, a ser traduzido e "atualizado" (incluindo relatos das ações dos inquisidores) em edições posteriores.
Um desses relatos se encontra na página 72 de uma das edições. O Inquisidor mandou queimar 41 bruxas no distrito de Barby, no norte da França. Hoje Barby não tem 500 habitantes e naquela época muito menos. Se algumas mulheres não tivessem fugido, praticamente todas as mulheres do local seriam mortas.
O livro, totalmente folclórico, "explica" o que são as bruxas e como reconhecê-las. cita extensamente as palavras do filósofo "Santo" Agostinho (354 - 430) que, por sua vez, dizia coisas tão absurdas que, nos dias atuais, são vistas como não ditas por ele. 
Por exemplo, em "Sobre a Trindade III", Agostinho de Nipona diz que "o demônio pode reunir sêmen humano e transportá-lo em outras pessoas, produzindo efeitos corporais", dando a entender que uma bruxa "já nasce bruxa" (Malleus Maleficarum, Página 32). Isso justificaria a morte de crianças e homens por "bruxaria".
O livro também cita obras pagãs, falando, por exemplo, da "deusa" Vênus dando a luz a Enéas" como se fosse verdade, para justificar o "combate".
Só mesmo lendo o livro, podemos vislumbra-lo com o que foi dito dele acima, Por isso uma das edições comentadas está a disposição aqui nesta parte deste assunto (clique no link abaixo)
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- O Fim da Superstição -
Ainda hoje, há pessoas que acreditam em bruxaria. Algumas até acreditam serem bruxas. Mas, na realidade, não sabem o que isso significa ou que significou naqueles anos terríveis da Inquisição. Porém, o fim dessa superstição aconteceu ainda na época em que eram caçadas. E não foi por intervenção da Igreja ou dos Estados. Foi o próprio povo que percebeu o erro.
O espírito humano, dotado de inteligência, no coletivo, começou a se indagar se aquilo no qual acreditavam era mesmo verdade. Com a mesma facilidade que conceberam as supostas bruxas, também se perguntaram: "Se as bruxas são tão poderosas a ponto de mudar até o tempo e causar inundações, por que nada faziam diante dos inquisidores para se defenderem?" Ou "que culpa tem uma jovem de possuir uma verruga, idêntica a que os homens possuem, mas que, no caso delas, é considerada pela Igreja como "mamilo de Satanás""? A crença na bruxaria foi perdendo sentido.
Mas, ao passo que o povo ia se livrando da superstição, a Igreja lutava para mantê-la. Dizia que aqueles pensamentos populares eram "inspirados por bruxas". Mas a questão era: Se eram tão más, por que as "bruxas" só atacavam pessoas do povo, inocentes e as vezes a si próprias, ao invés de atacarem a igreja, aquela que, dizendo-se "do bem", verdadeiramente as perseguiam a as matavam?
Matar pessoas sempre esteve na consciência humana como algo contrário às Leis de Deus. E as consideradas "bruxas", muitas delas jovens e crianças, não matavam ninguém. Muitas vezes nem sequer sabiam por que estavam sendo torturadas. Algumas delas, já idosas e com a locomoção dificultada, até curavam pessoas com remédios feitos a base de ervas. Quem matava pessoas, não eram elas. Eram os assassinos, o Estado... e a Igreja.
Assim, não demorou muito para que, não as moças do povo, mas a Igreja Católica, pela devastação que causava, fosse considerada como a "bruxa medieval", aquela que causava o mal que dizia combater. Não as moças do povo, mas a Igreja Católica era a que "mantinha relações com demônios", era "inspirada por pensamentos demoníacos assassinos" e estava repleta de algozes brutais e desumanos em seu meio.
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Na próxima parte, vamos analisar, com base na documentação produzida pela própria Igreja, alguns aspectos da horrenda perseguição às "bruxas". Veremos, por exemplo, que esta perseguição às mulheres esteve ligada, em grande parte, à sexualidade reprimida e deturpada dos clérigos que a perpetraram.
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Continua.
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Links:
Malleus Maleficarum - Edição traduzida e comentada em português:
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Index Librorum Prohibitorum
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Veja a lista completa dos autores e obras "proibidos" no Index:
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Inquisição - Parte 3

 A Inquisição Expõe Sua Verdadeira Face

Representação de Tomás de Torquemada, chamado de "Martelo dos Hereges" pelos católicos fanáticos de hoje, como se fosse uma honra ser chamado assim. Este assassino espanhol agiu com tal brutalidade em nome da fé católica contra cidadãos inocentes, que até hoje, seu nome é personificação de terror e injustiça. Mesmo assim, o Papa Cisto IV o elogiou como "zeloso prestador de serviços para a glória de Deus". Com certeza foi zeloso, mas só se for para o "Deus deste mundo" - 2ª Coríntios 4:4 

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- "Aperfeiçoamentos" e Adaptações -
Corria o ano de 1478 (Século XV). Por quase 300 anos, as Inquisições, Episcopal e Delegada, estavam funcionando, como grandes churrasqueiras de carne humana. E sendo sempre, ambas, "aperfeiçoadas" (leia-se "aperfeiçoadas" como "refinadas na maldade").
Um exemplo desse "aperfeiçoamento" está na estrutura. Quando se iniciou no Século XII, a Inquisição caçava pessoas mas as julgava em qualquer lugar, de forma aleatória e sem nenhuma regra. O que iria valer seria a palavra final do Inquisidor.
Mas depois, no Século XIII, o Papa Gregório IX (1145 - 1241), promulgou, em 1233, a Bula papal "Licet ad capiendos" ("É Permitido Levar"), na qual os Inquisidores ficariam baseados em Tribunais da Inquisição fixos, espalhados pela Europa, e os réus seriam levados até eles.
Daí, em 1376, foi lançado o Manual dos Inquisidores, que regulamentou os "julgamentos". Assim ficou organizada a Igreja e este seria seu Modus Operandi "para sempre". Ao invés de pregar o reino de Deus, como fazia Jesus e os apóstolos, a Igreja, como uma agremiação de torturadores, se concentrava em caçar e matar pessoas.
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- "Exigit Sincerae Devotionis Affectus" -
A Inquisição, no entanto, segundo a Igreja, precisava ser "aperfeiçoada" em outro sentido: Ser adaptada para cada tipo de grupo dissidente. Ao passo que no Sul da França e Alemanha os grupos de dissidentes eram de um tipo (pró Bíblia e messiânicos), na Espanha eram de outro, de influencia muçulmana e judaica.
Assim, naquele ano, 1478, o Papa Cisto IV (1414 - 1484), que construiu a Capela Cistina e os "Arquivos da Igreja" (justamente para guardar o já enorme volume de documentos da Inquisição), emitiu a Bula "Exigit Sincerae Devotionis Affectus", que instituía a "Inquisição Espanhola". Esta seria a 3ª Inquisição em ação na Europa medieval.
O significado dessa bula em latim diz tudo: "Exigindo Resultados de Devoção Sincera". Na Espanha, em particular, a Igreja acreditava que os marranos, os mouros muçulmanos e os judeus estavam se convertendo ao catolicismo apenas para escapar da Inquisição. Porém "mantinham o coração" ainda nas crenças nativas.
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- A Inquisição Espanhola -
Por que a Inquisição Espanhola foi especial? Porque ela, diferente das outras, teve um caráter nacionalista. Os reis Fernando de Aragão (1452 - 1516) e Isabel de Castela (1451 - 1504), os "reis católicos", primos e casados, haviam vencido os muçulmanos que estavam se estabelecendo na Espanha. Eles procuravam montar um estado nacional unificado e consideraram a religião, mais precisamente a Inquisição, como "fator decisivo", pois poderiam reprimir opositores políticos (que seriam, mesmo sem o ser, acusados de heresia).
Para a Igreja tal desejo real era também vantajoso, pois aumentaria seu poder numa região que se encontrava muito dividida do ponto de vista religioso
Esta Inquisição fez aparecer também, além do sentimento anti muçulmano (que perdurava desde a época das cruzadas), o caráter antissemita do catolicismo. E esta lamentável característica antissemita traduzia tudo o que o cristão não deve ser.
Por exemplo, na época dos apóstolos, estes conversavam com as pessoas, de qualquer crença, sobre o Cristo e sobre o reino de Deus para ver se escolhiam se converter ou não. Mas a Igreja Católica não agia assim. Além de não oferecer nenhum suporte à conversão forçada das pessoas que nem a conheciam, lhes cobrava, a poder de ferro e fogo, o que não podiam saber. Assim, judeus - e também muçulmanos - eram caçados e considerados culpados por motivos que sequer entendiam.
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- Tomás de Torquemada -
É nesse ambiente político da Espanha do Século XV, que se destaca Tomás de Torquemada (1420 - 1498), um frade dominicano, nomeado Inquisidor Geral. Seu antissemitismo fanático fez com ele se destacasse até mesmo entre outros inquisidores. O curioso é que ele próprio era descendente de judeus.
As ações de Torquemada na Inquisição, para a qual foi nomeado em 1483, fez com que houvesse um êxodo de judeus para Portugal, que fugiam para não serem mortos. Torquemada excedia as "regras" do Manual dos Inquisidores e não aceitava na igreja os convertidos. Se fossem pegos, judeus ou muçulmanos, seriam certamente mortos, independente do processo pelo qual passariam.
Durante o tempo em que exerceu seu reinado de terror, de 15 anos, Torquemada ocasionou, sozinho, a morte de pelo menos 2 mil pessoas (algumas fontes citam 10 mil).
A história registra que a crueldade de Torquemada foi tão grande que, segundo se alega, foi "reprovada" pelo Papa Alexandre IV (1431 - 1503). Mesmo assim nada se fez para que ele parasse com os Autos de Fé" de Torquemada que, segundo a The Enciclopédia Britannica era um "horroroso holocausto oferecido ao princípio da intolerância". O "Auto de Fé" era a queima de pessoas em piras de fogo, em praça pública, acusadas de heresia. Mas, no caso da Inquisição Espanhola, as acusações de "heresia" incluía também o muçulmanismo, o judaísmo e os opositores políticos dos reis católicos.
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- O Resultado da Inquisição Espanhola -
Conseguiu-se um "estado unido pela fé" através da Inquisição? Não. Apesar da brutal perseguição político/religiosa que se promoveu com a desavergonhada e descarada imposição pela força do catolicismo, a Espanha continuou um estado laico (com muitas denominações de fé) como sempre foi. Conseguiu a Inquisição, pelo medo, impor a fé que pretendia nos corações dos "hereges" espanhóis? Pelo contrário, muitos até preferiram morrer a se converter para aquela religião assassina. E até mesmo muitos católicos espanhóis se mantinham como tais não por fé, mas por medo.
De fato, o catolicismo expôs, na Inquisição Espanhola, sua verdadeira face. E graças a brutalidade da Inquisição que sofreu, a Espanha, como um todo, reflete até hoje "ecos" daqueles tempos. Por exemplo, o interesse pela Bíblia aumentou mais nos espanhóis do que no restante dos europeus. Na Espanha a Bíblia era proscrita até mesmo para os católicos.
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- A Motivação Para a Inquisição -
A motivação maior para a Inquisição era a forte crença, de origem pagã, num "inferno para almas pecadoras, que sofreriam eternamente nele, após a morte". Algo não ensinado na Bíblia e jamais imaginado por Deus. Que Deus amoroso permitiria que alguém sofresse horrível e eternamente por uns poucos anos de pecado? Isso, de fato, seria muito mais injusto do que a pior das injustiças humanas.
Este aspecto da Inquisição será analisado na próxima parte
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Continua

 

Inquisição - Parte 2

 Inquisição - As Primeiras Letras da Morte

A capa do livro Manual dos Inquisidores. Este livro, preservado historicamente até hoje, constitui prova incontestável da brutalidade de uma instituição religiosa que, dizendo-se "de Deus", tratava a criação Dele com ódio assassino. As palavras que este livro contém são de uma insensibilidade tal que só podem ser atribuídas como inspiradas por demônios. Deus jamais inspiraria que uma pessoa agisse de forma tão desastrosa com outras. O próprio Jesus, prevendo a Inquisição e outras barbaridades feitas em nome dele e de Seu Pai disse:
Eu lhes disse essas coisas para que vocês não tropecem... De fato, vem a hora em que quem matar vocês pensará que está prestando um serviço sagrado a Deus. Mas eles farão isso porque não conhecem nem ao Pai nem a mim. Contudo, eu lhes disse essas coisas para que, quando chegar a hora de acontecerem, vocês se lembrem de que lhes falei delas" - João 16:1-4

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(Material sensível - É recomendado cautela ao ler)
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- Pena de Morte Indireta -
A Inquisição iniciou, em caráter oficial, em 1184, já de forma brutal. Visava banir (excomungar) quem não fosse católico da igreja. A "bula" papal, que dava início a Inquisição, se chamava "Ad abolendam" ("abolição" ou "para a abolição"). Estipulava que "não somente os pais, mas também os filhos dos hereges " deviam ser banidos, pois "estavam destituídos da graça de Deus pelo pecado dos pais".
Além disso, os imperadores, todos eles católicos, começando por Frederico I Barba-Roxa (1122 - 1190), rei da Alemanha e Imperador do "Sacro" Império Romano-Germânico, tinham como obrigação castigar aqueles que fossem banidos.
Esses castigos incluíam chicotadas em praça pública. No caso dos "hereges", era feito com chicotes de couro mais pesados que os normais e com pontas de ferro que destruía fisicamente as vítimas e matava os mais fracos. Depois vinha a obrigação de usar por toda a vida, sob pena de prisão perpétua por descumprimento, "roupas" distintivas, meros sacos de mantimentos, com a palavra "herege" costurada neles.
O que significava esse banimento da igreja e os castigos em público? A pessoa banida e castigada não conseguia mais emprego, não podia comprar ou vender, não tinha proteção de qualquer espécie e era constantemente agredida nas ruas. Tinha sua casa invadida, incendiada ou confiscada pela igreja ou pelo reinado. Isso a obrigava a fugir, com toda a família, para lugares menos agressivos, o que era raro. Em todos os casos a pessoa se transformava num andarilho. Quem lhe desse abrigo seria também acusado de heresia e sofria o mesmo destino. Punia-se assim, não só o "crime" de não ser católico, mas também a piedade dos católicos para com seus semelhantes.
Em poucos meses a pessoa banida estaria morta quer fosse de fome, quer por abandono, quer de doença ou por linchamento. Ser banido da igreja era o mesmo que estar, indireta mas certeiramente, sob uma pena de morte. É por isso que, muitas vezes, famílias inteiras eram divididas ou ficavam arrasadas pela Inquisição, pois os parentes do "herege", mesmo os mais distantes, se reconhecidos como tais, também eram agredidos da mesma forma.
No entanto, essa chamada Inquisição Episcopal (sob direção dos bispos), que espalhou toda sorte de terror na Europa, não parecia agradar a Igreja. Ela desconfiava que alguns bispos não eram zelosos o suficiente para "descobrir todos os hereges".
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- Duas Inquisições -
Mesmo que os bispos, nas cidades europeias, se esforçassem para banir hereges, a sede da igreja em Roma não estava satisfeita. Os números de punições relatados nunca eram vistos como verdadeiros.
A Igreja não se preocupava em averiguar se houve injustiça nos "julgamentos". Então ela começou a mandar ou nomear "delegados", geralmente monges ou abades, através da Europa, que tinham o poder de promover uma Inquisição paralela. Esta foi chamada de Inquisição Delegada.
Assim, uma pessoa que tivesse passado pela Inquisição Episcopal e saísse ileso, o que era raro, podia novamente ser "inquirido" pela Inquisição Delegada. E dessa praticamente ninguém conseguia se livrar.
Os monges delegados eram mais duros que os bispos. Não levavam em conta o que o réu dizia. Este podia jurar - e provar - ser católico fervoroso que de nada adiantava. Para aqueles monges insensíveis, se o réu estava diante deles, por qualquer motivo que fosse, mesmo que fosse por calúnia de algum desafeto, era realmente culpado. Esse pensamento fez com que muito as pessoas, realmente católicos convictos e, portanto, inocentes do ponto de vista da própria igreja, fossem acusados, julgados, condenados e punidos.
Mas como era o processo inquisitorial?
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- O Processo "Judicial" da Inquisição -
Ironicamente os defensores da Igreja Católica, nos dias atuais, em fóruns de debates, ignorando o que a própria documentação da Inquisição diz, alegam que "os processos da Inquisição foram um avanço para o Direito e para a Justiça como um todo". Todavia, não se pode chamar aquilo de "avanço", ou ligar aquele tipo de "julgamento" com processos judiciais normais. O contrário foi verdade.
Desde os tempos bíblicos, processos de julgamentos, sempre realizados por autoridades seculares e não religiosas, eram muito mais justos do que os da Inquisição, onde o réu tinha direito a ampla defesa e os castigos eram proporcionais ao crime.
Mas os processos da Inquisição, pseudo-jurídicos, não julgavam crimes. Julgavam a fé, a consciência e o pensamento das pessoas, que não são crimes. Não facultava o direito a ampla defesa ao "réu" e aplicava castigos antes do resultado do "julgamento". Ou seja: Os "processos" da Inquisição, documentados pela própria Igreja, grotescos espetáculos de loucura e injustiça, constitui uma forte evidência contra o argumento de que ela é "cristã".
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- O Manual dos Inquisidores -
Os "historiadores" católicos, enviesados religiosamente, costumam dizer também, quando encontram pessoas que não sabem quase nada sobre a Inquisição que outros historiadores, em "perseguição" à Igreja, inventam. Sempre procuram amenizar o tema. Dizem que "não houve tortura nem morte na Inquisição" e que "houve só confisco de livros".
Se estão ou não usando de desonestidade neste argumento vai depender do conhecimento que eles próprios possuem sobre o assunto. Mas a farta documentação que existe, mostra, inclusive, que a maioria dos historiadores sérios "pega leve" quando diz que a Inquisição foi um período "muito triste" da humanidade. A Inquisição foi muito pior que simplesmente triste.
Por exemplo, o Manual dos Inquisidores, escrito por Nicolás Eymerich (1320 - 1399), um teólogo católico e inquisidor catalão na Espanha, passou a ser o documento de "procedimentos" dos inquisidores desde que foi lançado em 1376. Nicolás foi um padre ganancioso que estava disposto a acumular cargos, não só na Igreja (ele nomeou a si próprio de "Grande" Inquisidor), mas também nas cortes seculares. Ele chegou a ser, por um tempo, "Rei de Aragão" na Espanha.
Em seu livro "Directorium Inquisitorum" (ou "Manual dos Inquisidores"), de aproximadamente 800 páginas, escrito originalmente em latim mas traduzido para outras línguas, ele listava, entre outras coisas, não só os "suspeitos", mas também os doentes mentais como sendo "hereges".
Todos os "acusados", mesmo que de forma anônima por qualquer um, estavam sujeitos a 9 tipos de torturas durante o "julgamento", dentre as quais o esmagamento das genitálias, ter olhos e unhas arrancados e a 'estrapação'. Estrapação é o retalhamento do corpo humano preso em rodas sobre uma esteira de pregos ou serrotes.
O manual foi revisto e ampliado por Francisco de La Peña em 1578 e, a partir de então começou a ser publicado como um "livro norma" para os prelados (padres, abades, monges, etc) da Igreja, para dirigir-lhes o comportamento diário.
Assim, pode-se perguntar aos defensores da Igreja que minimizam a Inquisição: Como negar um documento desses, como prova?
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- Links dos Papeis da Morte -
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O livro Manual dos Inquisidores, uma das publicações que embasa o escrito acima, foi traduzido para diversas línguas por diversos tradutores, na íntegra por alguns e condensados por outros. Está disponível em alguns sites. Este é um deles:
 
É interessante também o trabalho do Professor Durval de Noronha sobre o livro:
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A Bula papal Ad Abolendam também está disponível na Rede. Aqui um trabalho sobre ela, de Leandro Duarte Rust, da Universidade Federal do Mato Grosso:
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domingo, 22 de setembro de 2024

Inquisição - Prólogo

 Inquisição - Prólogo

Uma representação de Maria 1ª, a "Sangrenta" da Inglaterra.

 

- A Europa do Século XVI -

Maria 1ª, ou Maria Tudor (1516 - 1558), foi uma rainha inglesa numa época em que quase toda a Europa estava sob o machado sangrento da Inquisição Católica. O único país onde não havia mais os "Autos de Fé" (ou "queima de pessoas vivas em praça pública") era a Inglaterra. O rei Henrique 8º (1491 - 1547) havia separado o país do catolicismo em 1534, criando a Igreja Anglicana. Todavia Henrique 8º também matava pessoas. As vítimas eram as que não aceitavam a sua chefia da nova Igreja. Mas em pouco tempo, quase não havia mais oposição ao anglicanismo.
Isso porque houve avanços do anglicanismo, principalmente quando seu filho, Eduardo 6º (1537 - 1553) o sucedeu como rei, aos 9 anos de idade em 1547. Os conselheiros de Eduardo promoveram perseguição aos que obstinadamente se apegavam ao catolicismo e destruíram as imagens das igrejas. Mas a Bíblia já podia ser lida em inglês pelo povo. No resto da Europa, a Bíblia, além de ser proibida ao público, era lida, apenas pelos padres, em latim, uma língua morta já naquela época e que ninguém entendia, nos ofícios.
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- Reacendendo a Fogueira -
Mas Eduardo morreu de tuberculose aos 15 anos. E Maria 1ª o sucedeu em 1553.
Maria 1ª era católica e queria "devolver a Inglaterra ao Papa". Assim, contra a vontade popular ela declarou que a Inglaterra "pedia perdão ao Papa por ter se tornado protestante e voltava a ser católica novamente".
Com Maria 1ª, a Inquisição se instalou novamente na Inglaterra, e com força porque ela era, do ponto de vista religioso, tão intolerante quanto Torquemada (1420 - 1498) havia sido na Espanha. Nos cinco anos em que reinou, ela promoveu êxodo de pessoas ricas, e, por consequência, desemprego e miséria. Ao menos 400 pessoas, homens, mulheres e crianças, morreram nas fogueiras públicas pelo crime de "não serem católicas".
Maria 1ª não considerava os anglicanos, ou quem quer que não fosse católico, como ser humano, mas como "furúnculo maligno que tinha que ser extirpado".
Não demorou muito para que fosse chamada pelo povo de "Maria Sangrenta"
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- Maldade Abençoada Pelo Papa -
O Papa da época de Maria 1ª era Júlio 3º. Durante o papado de 5 anos de Julio 3º, a corte romana ficou marcada por escândalos, entre os quais de pedofilia: Júlio 3º se relacionava com um menino de 14 anos chamado Innocenzo del Monte. E foi esse o homem que "aceitou o perdão da Inglaterra" e abençoou a "volta ao catolicismo" do país. O que isso significava?
Por exemplo, John Hooper (1495 - 1555), bispo de Gloucester foi queimado vivo num Auto de Fé. Mas a sua morte não foi como a do resto dos europeus, nos quais o fogo os matava em 5 ou 10 minutos. Sob ordens de Maria 1ª, o material usado (vegetação) era verde e estava molhado. Isso fez com que o bispo anglicano, de 60 anos, queimasse lentamente, durante 45 minutos. Hugh Latimer (1487 - 1555), bispo de Worcester, morreu da mesma forma aos 70 anos.
No caso das crianças, estas haviam nascido em lares anglicanos. Nada sabiam de catolicismo. Nem elas foram poupadas. Maria 1ª também inspirou um castigo a mais: Amarrava-se sacos de pólvora nas vítimas para que as explosões os "mandasse logo para o inferno" logo. Mas a pólvora não explodia, ou então explodia mas mutilava sem matar, de acordo com a historiadora medieval americana Carolly Erickson (1943 - viva). E as vítimas não eram amordaçadas para que seus gritos pudessem ser ouvidos por todos.
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- Resultado -
Ao contrário do que o Papa e Maria 1ª esperavam, a Inglaterra não se tornou inteiramente Católica. Como resultado de tamanha brutalidade, muitos católicos começaram a se questionar sobre a validade de uma religião que, dizendo baseada em Cristo e no amor, pudesse fazer tais coisas desumanas. E muitos, antes católicos convictos, passaram a ser anglicanos.
Os Anglicanos eram vítimas? Não. Uma vez no poder, também perseguiam católicos. A perseguição religiosa era para todos independente da orientação religiosa. Ia depender da religião do rei (ou rainha). Por exemplo, Elizabeth 1ª (1533 - 1603), que era anglicana, decretou que "praticar o catolicismo era traição". Isso ocasionou a morte de 180 católicos.
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- Maria 1ª Nos Dias Atuais -
Pensa que a Igreja Católica se arrepende de ter abençoado o massacre de inocentes ingleses? Não. "Historiadores" católicos atribuem a falha de tornar a Inglaterra uma nação católica ao "curto tempo de seu reinado" e não aos seus métodos na Inquisição, que insistem em chamar de "santa". Também procuram justificar o injustificável. 
Esses "historiadores" questionam enciclopédias, documentos históricos e qualquer coisa que vá contra o que querem crer, mesmo os documentos da própria Inquisição. Procuram até mesmo distorcer as palavras do Papa João Paulo 2º, que considerou a Inquisição como "crime" e pediu perdão por ele em 2004. Acha isso honesto para um historiador?
Aqui vamos iniciar, como fizemos na matéria "Igreja Católica - Como Se formou?", a História da Inquisição, baseada nos seus próprios documentos, desde seus primórdios (antecedentes), desenvolvimento e final. Esse período horroroso da humanidade, que durou uns seis séculos e ceifou a vida de milhões de pessoas inocentes, está documentado. E aqui vamos colocar um resumo deles.
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Não há nada cuidadosamente oculto que não venha a ser revelado, e não há nada secreto que não se torne conhecido.” — Lucas 12:2.
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Imagem: Uma representação de Maria 1ª, a "Sangrenta" da Inglaterra.

 

Inquisição - Parte 1

 O Vírus da Inquisição 

Representação de Tomás de Aquino. Este "santo" acabou se infectando com o "vírus" da Inquisição, ou da vontade de matar e, com ele, contaminou outros
 

Inquisição é o ato de "inquirir", isto é: "perguntar" ou "investigar". No caso da Igreja Católica, ela é chamada de "santa" Inquisição. São processos do Tribunal do "Santo" Ofício, criado na Idade Medieval, com bases em organizações "judicativas" mundanas. A própria Igreja havia sido criada, no Século IV, nos moldes de organizações mundanas, como o Senado Romano, por exemplo.
A Igreja já era um forte poder temporal estabelecido no seio das nações, no Século XIII. Fortemente aliada aos reinos europeus, julgava que tinha o direito de definir a fé das pessoas dos locais onde estivesse instalada. E nem era necessário que seus clérigos se esforçassem para isso. Bastava que o governante do local fosse católico para que toda a pressão, política e religiosa, do local fosse exercida em favor da Igreja (Veja o caso da Rainha Maria 1ª, no prólogo desta matéria). A "conversão" teria que ser de todos, a força se necessário. A igreja Católica havia se transformado em, nada mais nada menos, do que mais um braço dos governos políticos do mundo. Não um braço de esperança e amor, mas um que trazia terror.
Mas como foi que a Igreja chegou a este estúpido patamar, que está muito longe de ser cristão, no trato com as populações?
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Para entender isso, é preciso voltar ao Século VII. Em 637 os muçulmanos tomaram Jerusalém das mãos dos católicos. Para a Igreja, que acredita ter o favor de Deus, inclusive nas guerras, isso foi uma grande frustração. Daquele ano até o Século XI, foram travadas muitas guerras entre católicos e muçulmanos pela cidade. Os católicos chegaram a controlar Jerusalém, mas em 1187, os muçulmanos reconquistaram-na e se estabeleceram fortemente nela, restringindo os domínios católicos apenas à Europa.
Inconformado com isso, o Papa Urbano II (1042 - 1099), no Concílio de Clermont, em 1095, convocou o que seria chamado mais tarde de "Primeira Cruzada". Segundo Urbano II, aquela "ação militar necessária", além de reconquistar, por uma "causa nobre", Jerusalém (por causa do "santo sepulcro") e conquistar a Palestina, "consolidaria a primazia da igreja Romana". No que consistiu essa cruzada?
Diferente do que se pensa hoje sobre o "cavaleiro cruzado que salva a princesa dos bandidos", eles eram homens opressivos, dispostos a matar qualquer um "em nome do Papa". Além disso, os cavaleiros eram minoria. A Cruzada em si era formada por uma turba desorganizada de maltrapilhos, que estavam nessa empreitada, não pela fé, mas para poderem saquear as vítimas. O saque seria a recompensa.
A esta sangrenta cruzada, onde os "cruzados" matavam e saqueavam todos no caminho, seguiu-se pelo menos outras oito (a última aconteceu em 1270), todas com derrotas flagrantes. Eles mataram muita gente, mas também perderam muita gente. Foram quase 200 anos de morticínio a toa. Por causa disso, muitos se questionaram sobre o real valor religioso delas. E o interesse em reconquistar o "santo" sepulcro sumiu. (Sobre as Cruzadas vamos falar pormenorizadamente, num outro assunto)
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A Igreja, a cada cruzada mal sucedida, se perguntava "por que falhou?". Foi por causa desses questionamentos que ela, através de seus prelados, começou a imaginar que a derrota só aconteceu por causa "de inimigos internos infiltrados". A Igreja Católica iria direcionar suas armas para o "inimigo interno", ou seja: as populações dos países onde exercia poder. Estava nascendo o "vírus" da Inquisição na mente da Igreja. Mas não só isso.
Questionando também a validade das cruzadas e a igreja que as promovia, o povo também se dividiu. Começo a surgir no Sul da França diversos grupos religiosos dissidentes. Mas ao contrário dos dissidentes mais antigos (a Igreja, desde o início, sempre se dividiu), estes eram grandes o suficiente para preocupar, pois tomavam conta de cidades inteiras
Assim, em 1184, na metade das empreitadas das cruzadas, no Concílio de Verona, pelo Papa Lucio III (1097 - 1185), instaurou a Inquisição para resolver o problema dos grupos de dissidentes.
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A Igreja, desde o princípio da Inquisição, nunca pretendeu lidar com o assunto de maneira a discutir com os dissidentes os motivos os levaram a isso. No Concílio de Verona, ela decretou que "qualquer pessoa que falasse, ou até mesmo pensasse ao contrário da doutrina católica fosse considerada anátema (herege), excomungada e castigada pelas autoridades seculares." E quem dirigiria os "processos" seriam os bispos. Por causa disso, a Inquisição foi, no seu início, chamado de Inquisição Episcopal.
Mas não ficaria só nos castigos. Na medida em que os fracassos das cruzadas iam se somando, o ódio aos "culpados" ia aumentando.
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Começou-se a pensar que apenas castigos não eram o suficiente. Por exemplo, um prelado católico, que viveu para ver o fim das Cruzadas, Tomás de Aquino (1225 - 1274), chamado hoje de "santo" pela igreja também achou que não estavam fazendo o suficiente. Ele equacionou o problema da seguinte maneira: "... se os falsificadores de dinheiro ou outros malfeitores são imediatamente mortos pelos príncipes seculares, quanto mais se pode não somente excomungar os hereges, assim que são achados culpados de sua heresia, mas também matar de modo justo.” - Summa Theologice - Pergunta XI, Art. 3, 2 a, 2 ae.
Este tipo de pensamento é consequência direta da frustração pelas Cruzadas mal sucedidas. Para este "santo" católico, uma vez que os príncipes mundanos estavam, pelas Leis mundanas, corretos em matar pessoas, a Igreja também também estaria certa se matasse por causa da fé.
E não demoraria para que o assassinato fizesse parte da doutrinação pela fé. De fato o órgão da igreja que cuidava da Inquisição se chamava Congregação para a "Doutrina da Fé".
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sábado, 24 de agosto de 2024

Os Apócrifos - Parte 2

 Os Apócrifos - Parte 2

Representação do encontro entre Tomás Caetano (de vermelho, sentado) e Martinho Lutero (1483 - 1546) de preto, em pé). Chamado de "Lâmpada da Igreja", tentou convencer Lutero a não se separar da Igreja. Também foi um ferrenho defensor do dogma da "infalibilidade papal", o que é algo ilógico: O Papa aceitava os Apócrifos como livros bíblicos e ele não.
 
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- "Livros Alheios" -
Os primeiros "pais da Igreja", por serem filósofos, não conseguiam entender a mensagem bíblica. Elas não pareciam fazer sentido ou então, do ponto de vista filosófico deles, sempre estava faltando algo neles. Assim, logo cedo, a partir do 3º Século, começaram as interpretações dos textos da Bíblia. A simples mensagem bíblica, direta e clara, estava, na verdade, sempre querendo dizer outra coisa, mais complicada.
Naquele ambiente de debates filosóficos, os Apócrifos, descartados definitivamente pelos judeus, foram considerados também como que querendo dizer "algo mais", ou "algo desconsiderado pelos judeus".
A tendência para desconsiderar o Cânon judaico se acentuou mesmo a partir do 4º Século. E propostas de inclusão dos Apócrifos como canônicos foram postas "na mesa" sendo a primeira delas de Agostinho, de Hipona (354-430 EC). Porém, a proposta de Agostinho asseverou que "havia uma distinção definida entre os livros do cânon hebraico e tais livros alheios”.
A Igreja Católica, no Concílio de Cartago em 397 (comandado pelo Imperador romano Honório [384 - 423]), se reuniu para discutir sobre o 'cisma donatista', sobre os 'traditores" (mais duas divisões da Igreja descontentes com seus dogmas) e as propostas sobre os Apócrifos. Os donatistas e traditores foram considerados "apóstatas". Mas, no caso dos Apócrifos, optou ela por considerar o cânon judaico ou estudar as evidências bíblicas nas Escrituras propriamente ditas para resolver a questão? Não. Ela optou por oficializar a incerta e duvidosa proposta de Agostinho. Assim, o que aquele Concílio realmente fez foi "oficializar" - e aumentar ainda mais - as disputas em torno da questão.
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- Exclusão de Livros "Bíblicos" -
Daí, mais de mil anos depois, em 1546 EC, em plena época da Reforma, a Igreja Católica Romana voltou a se reunir no Concílio de Trento. E confirmou, agora definitivamente, a aceitação dessas adições de Apócrifos no seu catálogo dos livros da Bíblia. Era preciso fazer isso, oficializar, porque reconhecia a divisão que as posições, a favor e contra, causava em seu meio.
Como exemplos dessa divisão, temos João Wycliffe (1328 - 1384), sacerdote católico e perito teólogo que fez a primeira tradução da Bíblia para o inglês, incluindo os Apócrifos, mas destacando no prefácio que os Apócrifos “não têm a autoridade de crença”. O cardeal dominicano Tomás Caetano (1469 - 1534 ), o mais destacado teólogo católico do seu tempo, chamado pelo Papa Clemente VII (1478 - 1534) de “lâmpada da Igreja”, também discriminou os Apócrifos do verdadeiro cânon hebraico. Ele apelou para os escritos de Jerônimo, que não continham os Apócrifos, como "autoridade bíblica católica".
Em meio a tanta divisão dogmática, é interessante notar também que o Concílio de Trento não aceitou todos os escritos anteriormente aprovados pelo anterior Concílio de Cartago Recusou três deles: a Oração de Manassés, e 1 e 2 Esdras [não os livros de 1 e 2 Esdras que, em algumas versões católicas, correspondem a Esdras e Neemias].
Assim, estes três escritos, que haviam aparecido por mais de 1.100 anos na aprovada Vulgata latina, foram então excluídos. E essa bagunça de "tira e põe" livros da Bíblia estava longe de acabar. Era óbvio que a Igreja colocava ou retirava os Apócrifos da Bíblia por não conhecer nem um e nem outro. Era tudo questão política e não de conhecimento.
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- Contra Si Próprios -
E uma mostra desse desconhecimento, por parte da Igreja, tanto sobre a Bíblia como dos Apócrifos está nos próprios textos deles, que nos fornecem evidências de não canonicidade ainda maior que as evidências externas, ou os depoimentos históricos e religiosos.
Por exemplo: Todos os livros bíblicos, de Gênesis a Apocalipse, registram profecias. Mas em nenhum Apócrifo se lê qualquer previsão para o futuro, por menor que seja. Além disso, também são contraditórios entre si. Estão repletos de inexatidões históricas e geográficas, e de anacronismos. Os escritores, em alguns casos, são comprovadamente culpados de desonestidade, ao representarem falsamente suas obras como sendo de anteriores escritores inspirados.
Um elemento que deveria ser observado neles por quem se julga especialista (caso dos teólogos católicos que os aceita) é que mostram-se, claramente, sob influência grega pagã e recorrem a uma linguagem extravagante, de um estilo literário inteiramente estranho às Escrituras inspiradas. Enquanto todos os escritores dos livros bíblicos são declaradamente inspirados divinamente, dois dos escritores dos Apócrifos assumem que não foram inspirados (Veja o Prólogo de Eclesiástico, versão bíblica do Centro Bíblico Católico e 2ª Macabeus 2:24-32; 15:38-40, da versão Matos Soares.).
Assim, pode-se dizer que a melhor evidência contra a canonicidade dos Apócrifos são os próprios Apócrifos.
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- Livros Perigosos -
Qual a lição que podemos tirar, hoje, disso? Que os livros Apócrifos são perigosos para a leitura. A pessoa que os confunde com os livros bíblicos corre o risco de se desvirtuar no entendimento da Bíblia. Não se pode entender, por exemplo, as profecias sobre o restabelecimento do Reino de Deus, esperança da humanidade e assunto central da Bíblia, contido em praticamente todos os livros da Bíblia, se lermos os textos Apócrifos que não falam nesse Reino. Católicos sinceros deveriam considerar o conselho de seu próprio "santo", Jerônimo, que lhes diz que os Apócrifos "devem ser evitados"
Na próxima parte vamos dar uma 'pincelada" no que esses livros dizem
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segunda-feira, 19 de agosto de 2024

Apócrifos - parte 1

 Apócrifos - Parte 1

Ilustração de Jerônimo, o autor da Vulgata Latina para a Igreja Católica, que o considera "santo". Jerônimo rejeitou os Apócrifos, não os incluiu na sua tradução da Bíblia e deixou essa rejeição por escrito. Mas em sites católicos, você não lerá nada sobre essa rejeição.


- Longe da Bíblia -
A inclusão de escritos sabidamente não bíblicos na Bíblia, por parte da Igreja Católica, mostra o quão afastada das Escrituras Sagradas ela estava.
Isso aconteceu no Concílio de Cartago, em 397. Não obstante a decisão daquele Concílio só foi "confirmada" muito mais tarde, em 1546, no Concílio de Trento. Durante esse tempo, de mais de mil anos, houve muitas disputas a favor e contra. A Igreja ficou na "incerteza" se os apócrifos eram ou não parte da Bíblia. ora pendia por rejeitá-los, ora por aceitá-los.
Incerteza por quê? Bastava considerar o fato de que até o Século 3, tais livros nunca fizeram parte da Bíblia. Há de se considerar também que a Bíblia é um livro produzido por judeus, principalmente as Escrituras Hebraicas (o "antigo testamento"). É, portanto, literatura e questão inteiramente judaicas. E os judeus não consideravam tais livros como parte a Bíblia, ou "canônicos", desde muito antes do aparecimento da Igreja Católica, no Séc. 4º
Por exemplo, no Concílio judeu de Jâmnia, por volta de 90, antes mesmo de João escrever o Apocalipse, foram rejeitados terminantemente tais livros, visto que eram tentativas de certos grupos dissidentes de incluí-los nas Escrituras judaicas.
Assim, na questão da Bíblia, a Igreja Católica, séculos mais tarde, se apropriou de literatura judaica, como se fosse sua e a modificou. De fato, hoje, os padres da Igreja costumam dizer que "foi a igreja que produziu a Bíblia". Sim, isso é fato, mas a Bíblia que "produziram" é uma bíblia adulterada e não versões da Bíblia original.
Mas o que são e quais são os livros apócrifos?
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- "Cuidadosamente Ocultas" -
A palavra grega a·pó·kry·fos, que traduz a moderna palavra "Apócrifo", aparece três vezes na Bíblia (Marcos 4:22; Lucas 8:17 e Colossenses 2:3) e significam, nas três ocasiões, coisas ‘cuidadosamente ocultas’. Eram escritos não lidos em público, portanto, ‘ocultos’. De forma que, no princípio, a palavra "apócrifo" não se referia aos livros rejeitados.
Mais tarde, contudo, como aconteceu com a palavra "Eclesiastes" (ou "congregação", ou "igreja") que, de significar "chamar para fora" passou a denominar o nome de um templo religioso, "apócrifo" também assumiu outro sentido, que estipulava "o que não é canônico". Nos dias atuais a palavra é usada especificamente para referir-se aos escritos não inspirados por Deus adicionados pela Igreja Católica na Bíblia. Os escritores católicos se referem a tais livros como deuterocanônicos, que significa “do segundo (ou posterior) cânon”, para diferenciá-los dos protocanônicos.
Esses escritos adicionais são Tobias, Judite, Sabedoria (de Salomão), Eclesiástico (não Eclesiastes), Baruc, 1 e 2 Macabeus, suplementos de Ester, e três adições a Daniel, com nomes diversos, tais como: Cântico dos Três Jovens, Susana e os Anciãos, e A Destruição de Bel e do Dragão.
O tempo em que foram escritos é incerto, mas a evidência indica uma época não anterior ao segundo ou terceiro séculos AEC. Ou seja, bem depois que as Escrituras Hebraicas já estavam fechadas, já que os livros de Esdras, Neemias e Malaquias, os últimos, foram escritos no quinto século AEC.
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- Contra a História -
A Igreja Católica, ao adotar os livros apócrifos como bíblicos, ela vai também contra a História.
Flávio Josefo (37 - 100), historiador judeu do primeiro século, mostra o reconhecimento dado apenas a esses poucos livros (do cânon hebraico), sobre o cânon bíblico escreveu: “Não possuímos miríades de livros incoerentes, que discordam entre si. Nossos livros, os devidamente acreditados, são apenas vinte e dois [equivalentes aos 39 livros das Escrituras Hebraicas segundo a divisão moderna], e contêm o registro de todos os tempos.”
Daí, sobre os apócrifos, escreveu: “Desde o tempo de Artaxerxes até o nosso próprio tempo, a história completa foi escrita, mas não foi considerada digna de crédito igual aos registros anteriores, porque cessou a sucessão exata dos profetas.” — Against Apion (Contra Apião), I, 38, 41 (8).
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- Contra A Própria História -
A Igreja Católica não vai, na questão dos Apócrifos, só contra a História geral. Vai também contra sua própria História.
Os principais peritos bíblicos e “pais da igreja” dos primeiros séculos da Era Comum (EC) deram aos Apócrifos uma posição inferior, ou nenhuma posição na Bíblia. Por exemplo, Orígenes, do início do terceiro século EC, em resultado de cuidadosa investigação, fez tal diferenciação entre esses escritos e os do cânon verdadeiro. Atanásio, Cirilo de Jerusalém, Gregório Nazianzeno e Anfíloco, todos do quarto século EC, fizeram catálogos que alistavam os escritos sagrados, sempre de acordo com o cânon hebraico. Eles ou desconsideraram esses escritos adicionais ou os colocaram numa classe secundária, para posterior investigação.
Jerônimo (347 - 420), É visto por muitos como “o melhor perito hebraico da igreja primitiva". Quando ele terminou a tradução da Vulgata Latina em 405 EC (a tradução da Bíblia para o Latim), adotou uma posição definida contra tais livros apócrifos. Na Vulgata Latina, encomendada pelo "Papa" Dâmaso 1 (305 - 384), a primeira "Bíblia oficial" da Igreja Católica, não continha os Apócrifos.
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- "Devem Ser Evitados" -
Jerônimo foi o primeiro a usar a palavra “apócrifos”, em sentido depreciativo, explicitamente no sentido de não canônicos, a tais escritos rejeitados. Assim, no seu prólogo aos livros de Samuel e de Reis, Jerônimo alista os livros inspirados das Escrituras Hebraicas da mesma forma que outros "pais da Igreja": em harmonia com o cânon hebraico (em que os 39 livros estão agrupados como 22). Ele diz: “De modo que há vinte e dois livros . . . Este prólogo das Escrituras pode servir como enfoque fortificado para todos os livros que traduzimos do hebraico para o latim; de modo que saibamos que tudo o que for além destes precisa ser colocado entre os apócrifos.”
Ao escrever a uma senhora chamada Laeta, sobre a educação da filha dela, Jerônimo aconselhou-a: “Todos os livros apócrifos devem ser evitados; mas, se ela quiser alguma vez lê-los, não para determinar a verdade das suas doutrinas, mas por respeito pelos seus maravilhosos contos, deve dar-se conta de que não foram realmente escritos por aqueles a quem são atribuídos, que eles contêm muitos elementos falhos, e que requer grande perícia para achar ouro na lama.” — Select Letters (Cartas Seletas), CVII.
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- Estavam Na Septuaginta Grega? -
A Septuaginta Grega é a tradução das Escrituras Hebraicas judaicas para o coiné (ou grego coiné, ou "grego helenizado"), língua falada no Egito entre o 3º Século AC e o Século 1.
Alguns argumentam a favor da canonicidade dos escritos Apócrifos dizendo que eles podem ser encontrados em muitas cópias primitivas da tradução Septuaginta grega das Escrituras Hebraicas, tradução iniciada no Egito por volta de 280 AEC.
No entanto, visto que não existem cópias originais da Septuaginta, não se pode afirmar categoricamente que os livros apócrifos foram originalmente incluídos nesta obra. Os escritos apócrifos foram admitidamente escritos depois do início do trabalho de tradução da Septuaginta, sendo óbvio que não constavam da original lista de livros escolhidos para a tradução por parte do grupo de tradutores. Assim, os apócrifos são acréscimos posteriores a tal obra.
Adicionalmente, embora os judeus de língua grega de Alexandria, no Egito, com o tempo inserissem tais escritos apócrifos na Septuaginta grega, e, pelo que parece, os considerassem como parte dum "cânon ampliado" de escritos sagrados, a declaração de Josefo, já citada, mostra que jamais foram incluídos no cânon de Jerusalém, ou Palestino, e, no máximo, eram considerados como apenas escritos secundários, e não de origem divina.
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- O Testemunho de Jesus e dos Apóstolos -
Mas, a evidência contra os apócrifos mais contundente é que Jesus e os apóstolos não os citaram em suas palavras e escritos, embora citassem a maioria dos outros livros bíblicos. Alguns argumentam que esse fato não é conclusivo, visto que em seus escritos também não possuem citações de alguns livros reconhecidos como canônicos, tais como Ester, Eclesiastes e O Cântico de Salomão. Tais livros, porém, são citados por outros que Jesus e os apóstolos citaram, já que as escrituras se completam. O contrário também acontece frequentemente. As Escrituras Hebraicas citam as Escrituras Gregas extensivamente, principalmente no que se refere às profecias sobre Jesus Cristo e o restabelecimento do Reino de Deus.
Mas os escritos Apócrifos não são citados nem uma vez. Não se faz nem mesmo leve menção deles em parte alguma da Bíblia. E isso é certamente significativo.
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Na Próxima parte vamos nos aprofundar nas disputas dentro da Igreja por causa dos Apócrifos. O que levou a Igreja a adotar uma posição tão contrária à razão, a lógica e a realidade histórica, incluindo a dela própria? Quais são as consequências para as pessoas que ou consideram os apócrifos como livros bíblicos ou não pensam muito na questão?
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quarta-feira, 14 de agosto de 2024

Igreja Católica - Como Se Formou? - Parte 19

 Igreja Católica - Como Se Formou? - Parte 19

Uma tortura feita durante a Inquisição. Será que Deus aprovaria atitudes como essa, para a "sua maior glória"? Obviamente que não. Mas foi nisso, nesse reinado de horror e injustiça descomunais, o que o que se transformou a igreja romana durante toda a Idade Medieval. Mais detalhes deste terrível período da História humana vermos nas próximas partes.



- Um Enxerto Desonesto -
A trindade, conforme vimos, foi se desenvolvendo através dos séculos. Vimos também que, após os apóstolos, ou mais de 300 anos depois deles, os "pais da Igreja", começaram a dizer que Jesus é Igual a Deus. mas não incluíram o Espírito Santo. Este, como "terceira pessoa igual a Deus e Jesus" só seria proposto no Concílio de Constantinopla, em 381. Assim, em algum momento, entre o Concílio de Nicéia (325) e o de Constantinopla, começou-se uma "procura" por um ser espiritual para ser colocado, como terceira "pessoa" do planejado deus trino católico, de inspiração pagã.
Embora os "pais da igreja" criassem um novo deus, que talvez tenha sido interpretado pelas palavras de Jesus que pedia para os apóstolos batizarem as pessoas "em nome do Pai, do filho e do espírito santo" (Mateus 28:19), houve desonestidade por parte dos modernos tradutores da Bíblia, que reconheceram que tal pedido de Jesus não explicava realmente a Trindade. Eles enxertaram palavras apócrifas no texto de 1ª João 5:7, colocando que "Deus, Jesus e Espírito Santo são um só".
No entanto, pesquisadores descobriram que estas palavras não se encontram em traduções bíblicas mais antigas. Assim, o professor universitário americano Bruce Manning Metzger (1914 - 2007), que lecionava grego e era tradutor bíblico diz em seu livro A Textual Commentary on the Greek New Testament (Comentário Textual sobre o Novo Testamento Grego): “Não há dúvida de que essas palavras são espúrias e não têm o direito de permanecer no Novo Testamento.
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- O Concílio de Constantinopla -
Se o espírito santo fosse uma pessoa, e ainda mais fazendo parte de Deus e Jesus, ele estaria, desde o início da Bíblia, nomeado e explicado. Seu papel na história humana, suas palavras e tudo a seu respeito seriam amplamente divulgados, como são divulgadas, na Bíblia inteira, as mesmas coisas com relação a Deus e Jesus.
No entanto, sempre que aparecem, na Bíblia, as palavras "espírito santo", elas se referem a qualidade de Deus. Deus é um espírito e ele é santo (sem pecados). Veja por exemplos: Isaías 63:10 (triste) e Isaías 63:11 (trabalhador). Nunca, na Bíblia, o espírito santo se refere a um ser espiritual personalizado.
Outro exemplo: Todos concordam que Jesus é filho de Deus. O próprio Deus disse isso (Mateus 17:5; Marcos 9:7 e Lucas 9:35), mas em Mateus 1:18,20 se diz que Maria engravidou do espírito santo. Se este espírito fosse uma pessoa, Jesus não seria filho de Deus, mas dessa outra pessoa.
Mesmo assim, no Concílio de Constantinopla (381), convocado, a exemplo do de Nicéia, por um imperador romano pagão, Teodósio 1 - o Grande (346 - 395), discutiu-se "a natureza de Deus". Julgou-se necessária esta discussão porque o Imperador Juliano (331 - 363) havia tentado restaurar a antiga religião politeísta romana, desfazendo temporariamente o catolicismo criado por Constantino em Nicéia.
Daquela vez, em Constantinopla, a coisa seria diferente. o catolicismo, agora definitivamente trinitário, voltaria a ser a religião oficial do império, mas as outras religiões, antes toleradas, seriam banidas. O catolicismo seria então, não mais incentivado para as pessoas, mas imposto pelo poder das espadas romanas, em todas as partes do império.
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- Poder Mundial -
Assim o Deus trindade, que ainda não estava totalmente "explicado" (e, de fato, é um "mistério" até os dias atuais) foi imposto aos povos conquistados. Depois daquele ato de Teodósio, a Igreja julgou-se "reino de Deus no mundo". Para isso, foram buscar, não na Bíblia, mas nas palavras de Agostinho (354 - 430): "O reino de Deus começou neste mundo com a instituição da Igreja Católica" - The New Encyclopædia Britannica, Macropédia, Volume 4, página 506. Se tivessem lido a Bíblia sobre o reino de Deus, teriam se deparado com o texto de João 15:19, no qual Jesus diz que seus discípulos "não fazem parte do mundo".
Foi a partir daquela época que a Igreja começou a se juntar com toda sorte de ações mundanas, incluindo as guerras. O historiador francês Paul Augustine Louis Rougier (1889 - 1982) disse: "Enquanto se difundia, o cristianismo passou por estranhas mudanças, a ponto de se tornar irreconhecível. . . . A primitiva igreja dos pobres, que vivia de caridade, tornou-se uma igreja triunfalista, que chegou a um acordo com as autoridades constituídas quando não conseguiu dominá-las.
Ou seja: A Igreja Católica da época do Concílio de Constantinopla era diferente da igreja Católica de 50 anos antes. Ela era "mais mundana". Quando o último imperador romano do Ocidente foi deposto por tribos germânicas, em 476, o Bispo de Roma Simplício (430 - 483), declarou ter direito a substituir o imperador e a Igreja Católica de substituir o império como um todo: A The New Encyclopædia Britannica (Nova Enciclopédia Britânica) registra: “Constituiu-se um novo poder: a Igreja Romana, a igreja do bispo de Roma. Esta igreja considerava-se sucessora do extinto Império Romano. Os papas de Roma . . . estenderam sua reivindicação secular do governo pela igreja além das fronteiras da igreja-estado e desenvolveram a chamada teoria das duas espadas, declarando que Cristo deu ao papa não somente o poder espiritual sobre a igreja, mas também poder secular sobre os reinos do mundo.”
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- O Reinado do Terror -
Essa nova condição da Igreja Católica, de uma instituição governamental, política e militar, ao estilo mundano, fez com que, a exemplo dos demais governos políticos, também se dividisse. Ainda no final do Século 5 ela se dividiu, dando origem as Igrejas Católicas da Armênia, da Síria e do Egito, que declararam não estar sujeitas ao bispo de Roma.
Durante os Séculos 11 e 12, surgiram muitos grupos dissidentes espalhados por todos os territórios, todos saídos da Igreja Católica, que resolveu radicalizar. Em novembro de 1184, no Sínodo (ou Concílio) de Verona, o Papa Lúcio 3 (1097 - 1185), em conluio com o Imperador do "Sacro" Império Romano Germânico, Frederico Barba-Roxa (1122 - 1190), publicou a Bula papal Ad Abolendam, que condenava como hereges e anátemas os seguidores do catarismo, arnoldismo, josephinismo, patarenesismo, humiliatismo, bem como os valdenses e os judeus. Estes deveriam ser "banidos da igreja e castigados pelas autoridades seculares", autoridades estas que, ironicamente, eram exercidas por clérigos locais.
A Inquisição, chamada de "santa" pela Igreja, então, começou com as Cruzadas. Os cavaleiros cruzados, que muitos hoje veem em filmes como heróis, eram, na verdade, caçadores de pessoas, inocentes ou não, para serem castigadas pelo simples motivo de pensarem diferente do que a Igreja Pregava.
Sim, o "reino de Deus na Terra", segundo Agostinho, a "igreja do deus trino", agora perseguia e castigava pessoas. Mas a coisa iria piorar e muito. Pelos próximos quase 6 séculos, a Inquisição iria ficar mais brutal, perseguindo toda e qualquer religião diferente da católica, com destaque para a Inquisição Espanhola, cujos efeitos duram até hoje, ocasionando a morte de milhões de pessoas (homens, mulheres e crianças), inocentes, indo acabar apenas 1834.
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- Desunião Cada Vez Mais -
Produziu a Inquisição a esperada união "para a maior glória de Deus", como se escrevia nos seus processos de julgamento? Não. Pelo contrário, a Igreja produziu cismas ainda maiores que antes. No Século 16, por exemplo, surgiram os reformadores. Lutero, Calvino, etc., todos eles antes padres católicos. Grandes religiões, a ponto da Igreja Católica não poder perseguir, foram formadas por eles. Religiões estas que duram até hoje.
Mas, e hoje? Como é a Igreja Católica nos dias atuais? O que ela prega e qual é o resultado de sua presença, cada vez menor, nos países ocidentais?
É o que vamos ver na próxima parte.
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Continua