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sábado, 24 de agosto de 2024

Os Apócrifos - Parte 2

 Os Apócrifos - Parte 2

Representação do encontro entre Tomás Caetano (de vermelho, sentado) e Martinho Lutero (1483 - 1546) de preto, em pé). Chamado de "Lâmpada da Igreja", tentou convencer Lutero a não se separar da Igreja. Também foi um ferrenho defensor do dogma da "infalibilidade papal", o que é algo ilógico: O Papa aceitava os Apócrifos como livros bíblicos e ele não.
 
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- "Livros Alheios" -
Os primeiros "pais da Igreja", por serem filósofos, não conseguiam entender a mensagem bíblica. Elas não pareciam fazer sentido ou então, do ponto de vista filosófico deles, sempre estava faltando algo neles. Assim, logo cedo, a partir do 3º Século, começaram as interpretações dos textos da Bíblia. A simples mensagem bíblica, direta e clara, estava, na verdade, sempre querendo dizer outra coisa, mais complicada.
Naquele ambiente de debates filosóficos, os Apócrifos, descartados definitivamente pelos judeus, foram considerados também como que querendo dizer "algo mais", ou "algo desconsiderado pelos judeus".
A tendência para desconsiderar o Cânon judaico se acentuou mesmo a partir do 4º Século. E propostas de inclusão dos Apócrifos como canônicos foram postas "na mesa" sendo a primeira delas de Agostinho, de Hipona (354-430 EC). Porém, a proposta de Agostinho asseverou que "havia uma distinção definida entre os livros do cânon hebraico e tais livros alheios”.
A Igreja Católica, no Concílio de Cartago em 397 (comandado pelo Imperador romano Honório [384 - 423]), se reuniu para discutir sobre o 'cisma donatista', sobre os 'traditores" (mais duas divisões da Igreja descontentes com seus dogmas) e as propostas sobre os Apócrifos. Os donatistas e traditores foram considerados "apóstatas". Mas, no caso dos Apócrifos, optou ela por considerar o cânon judaico ou estudar as evidências bíblicas nas Escrituras propriamente ditas para resolver a questão? Não. Ela optou por oficializar a incerta e duvidosa proposta de Agostinho. Assim, o que aquele Concílio realmente fez foi "oficializar" - e aumentar ainda mais - as disputas em torno da questão.
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- Exclusão de Livros "Bíblicos" -
Daí, mais de mil anos depois, em 1546 EC, em plena época da Reforma, a Igreja Católica Romana voltou a se reunir no Concílio de Trento. E confirmou, agora definitivamente, a aceitação dessas adições de Apócrifos no seu catálogo dos livros da Bíblia. Era preciso fazer isso, oficializar, porque reconhecia a divisão que as posições, a favor e contra, causava em seu meio.
Como exemplos dessa divisão, temos João Wycliffe (1328 - 1384), sacerdote católico e perito teólogo que fez a primeira tradução da Bíblia para o inglês, incluindo os Apócrifos, mas destacando no prefácio que os Apócrifos “não têm a autoridade de crença”. O cardeal dominicano Tomás Caetano (1469 - 1534 ), o mais destacado teólogo católico do seu tempo, chamado pelo Papa Clemente VII (1478 - 1534) de “lâmpada da Igreja”, também discriminou os Apócrifos do verdadeiro cânon hebraico. Ele apelou para os escritos de Jerônimo, que não continham os Apócrifos, como "autoridade bíblica católica".
Em meio a tanta divisão dogmática, é interessante notar também que o Concílio de Trento não aceitou todos os escritos anteriormente aprovados pelo anterior Concílio de Cartago Recusou três deles: a Oração de Manassés, e 1 e 2 Esdras [não os livros de 1 e 2 Esdras que, em algumas versões católicas, correspondem a Esdras e Neemias].
Assim, estes três escritos, que haviam aparecido por mais de 1.100 anos na aprovada Vulgata latina, foram então excluídos. E essa bagunça de "tira e põe" livros da Bíblia estava longe de acabar. Era óbvio que a Igreja colocava ou retirava os Apócrifos da Bíblia por não conhecer nem um e nem outro. Era tudo questão política e não de conhecimento.
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- Contra Si Próprios -
E uma mostra desse desconhecimento, por parte da Igreja, tanto sobre a Bíblia como dos Apócrifos está nos próprios textos deles, que nos fornecem evidências de não canonicidade ainda maior que as evidências externas, ou os depoimentos históricos e religiosos.
Por exemplo: Todos os livros bíblicos, de Gênesis a Apocalipse, registram profecias. Mas em nenhum Apócrifo se lê qualquer previsão para o futuro, por menor que seja. Além disso, também são contraditórios entre si. Estão repletos de inexatidões históricas e geográficas, e de anacronismos. Os escritores, em alguns casos, são comprovadamente culpados de desonestidade, ao representarem falsamente suas obras como sendo de anteriores escritores inspirados.
Um elemento que deveria ser observado neles por quem se julga especialista (caso dos teólogos católicos que os aceita) é que mostram-se, claramente, sob influência grega pagã e recorrem a uma linguagem extravagante, de um estilo literário inteiramente estranho às Escrituras inspiradas. Enquanto todos os escritores dos livros bíblicos são declaradamente inspirados divinamente, dois dos escritores dos Apócrifos assumem que não foram inspirados (Veja o Prólogo de Eclesiástico, versão bíblica do Centro Bíblico Católico e 2ª Macabeus 2:24-32; 15:38-40, da versão Matos Soares.).
Assim, pode-se dizer que a melhor evidência contra a canonicidade dos Apócrifos são os próprios Apócrifos.
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- Livros Perigosos -
Qual a lição que podemos tirar, hoje, disso? Que os livros Apócrifos são perigosos para a leitura. A pessoa que os confunde com os livros bíblicos corre o risco de se desvirtuar no entendimento da Bíblia. Não se pode entender, por exemplo, as profecias sobre o restabelecimento do Reino de Deus, esperança da humanidade e assunto central da Bíblia, contido em praticamente todos os livros da Bíblia, se lermos os textos Apócrifos que não falam nesse Reino. Católicos sinceros deveriam considerar o conselho de seu próprio "santo", Jerônimo, que lhes diz que os Apócrifos "devem ser evitados"
Na próxima parte vamos dar uma 'pincelada" no que esses livros dizem
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segunda-feira, 19 de agosto de 2024

Apócrifos - parte 1

 Apócrifos - Parte 1

Ilustração de Jerônimo, o autor da Vulgata Latina para a Igreja Católica, que o considera "santo". Jerônimo rejeitou os Apócrifos, não os incluiu na sua tradução da Bíblia e deixou essa rejeição por escrito. Mas em sites católicos, você não lerá nada sobre essa rejeição.


- Longe da Bíblia -
A inclusão de escritos sabidamente não bíblicos na Bíblia, por parte da Igreja Católica, mostra o quão afastada das Escrituras Sagradas ela estava.
Isso aconteceu no Concílio de Cartago, em 397. Não obstante a decisão daquele Concílio só foi "confirmada" muito mais tarde, em 1546, no Concílio de Trento. Durante esse tempo, de mais de mil anos, houve muitas disputas a favor e contra. A Igreja ficou na "incerteza" se os apócrifos eram ou não parte da Bíblia. ora pendia por rejeitá-los, ora por aceitá-los.
Incerteza por quê? Bastava considerar o fato de que até o Século 3, tais livros nunca fizeram parte da Bíblia. Há de se considerar também que a Bíblia é um livro produzido por judeus, principalmente as Escrituras Hebraicas (o "antigo testamento"). É, portanto, literatura e questão inteiramente judaicas. E os judeus não consideravam tais livros como parte a Bíblia, ou "canônicos", desde muito antes do aparecimento da Igreja Católica, no Séc. 4º
Por exemplo, no Concílio judeu de Jâmnia, por volta de 90, antes mesmo de João escrever o Apocalipse, foram rejeitados terminantemente tais livros, visto que eram tentativas de certos grupos dissidentes de incluí-los nas Escrituras judaicas.
Assim, na questão da Bíblia, a Igreja Católica, séculos mais tarde, se apropriou de literatura judaica, como se fosse sua e a modificou. De fato, hoje, os padres da Igreja costumam dizer que "foi a igreja que produziu a Bíblia". Sim, isso é fato, mas a Bíblia que "produziram" é uma bíblia adulterada e não versões da Bíblia original.
Mas o que são e quais são os livros apócrifos?
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- "Cuidadosamente Ocultas" -
A palavra grega a·pó·kry·fos, que traduz a moderna palavra "Apócrifo", aparece três vezes na Bíblia (Marcos 4:22; Lucas 8:17 e Colossenses 2:3) e significam, nas três ocasiões, coisas ‘cuidadosamente ocultas’. Eram escritos não lidos em público, portanto, ‘ocultos’. De forma que, no princípio, a palavra "apócrifo" não se referia aos livros rejeitados.
Mais tarde, contudo, como aconteceu com a palavra "Eclesiastes" (ou "congregação", ou "igreja") que, de significar "chamar para fora" passou a denominar o nome de um templo religioso, "apócrifo" também assumiu outro sentido, que estipulava "o que não é canônico". Nos dias atuais a palavra é usada especificamente para referir-se aos escritos não inspirados por Deus adicionados pela Igreja Católica na Bíblia. Os escritores católicos se referem a tais livros como deuterocanônicos, que significa “do segundo (ou posterior) cânon”, para diferenciá-los dos protocanônicos.
Esses escritos adicionais são Tobias, Judite, Sabedoria (de Salomão), Eclesiástico (não Eclesiastes), Baruc, 1 e 2 Macabeus, suplementos de Ester, e três adições a Daniel, com nomes diversos, tais como: Cântico dos Três Jovens, Susana e os Anciãos, e A Destruição de Bel e do Dragão.
O tempo em que foram escritos é incerto, mas a evidência indica uma época não anterior ao segundo ou terceiro séculos AEC. Ou seja, bem depois que as Escrituras Hebraicas já estavam fechadas, já que os livros de Esdras, Neemias e Malaquias, os últimos, foram escritos no quinto século AEC.
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- Contra a História -
A Igreja Católica, ao adotar os livros apócrifos como bíblicos, ela vai também contra a História.
Flávio Josefo (37 - 100), historiador judeu do primeiro século, mostra o reconhecimento dado apenas a esses poucos livros (do cânon hebraico), sobre o cânon bíblico escreveu: “Não possuímos miríades de livros incoerentes, que discordam entre si. Nossos livros, os devidamente acreditados, são apenas vinte e dois [equivalentes aos 39 livros das Escrituras Hebraicas segundo a divisão moderna], e contêm o registro de todos os tempos.”
Daí, sobre os apócrifos, escreveu: “Desde o tempo de Artaxerxes até o nosso próprio tempo, a história completa foi escrita, mas não foi considerada digna de crédito igual aos registros anteriores, porque cessou a sucessão exata dos profetas.” — Against Apion (Contra Apião), I, 38, 41 (8).
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- Contra A Própria História -
A Igreja Católica não vai, na questão dos Apócrifos, só contra a História geral. Vai também contra sua própria História.
Os principais peritos bíblicos e “pais da igreja” dos primeiros séculos da Era Comum (EC) deram aos Apócrifos uma posição inferior, ou nenhuma posição na Bíblia. Por exemplo, Orígenes, do início do terceiro século EC, em resultado de cuidadosa investigação, fez tal diferenciação entre esses escritos e os do cânon verdadeiro. Atanásio, Cirilo de Jerusalém, Gregório Nazianzeno e Anfíloco, todos do quarto século EC, fizeram catálogos que alistavam os escritos sagrados, sempre de acordo com o cânon hebraico. Eles ou desconsideraram esses escritos adicionais ou os colocaram numa classe secundária, para posterior investigação.
Jerônimo (347 - 420), É visto por muitos como “o melhor perito hebraico da igreja primitiva". Quando ele terminou a tradução da Vulgata Latina em 405 EC (a tradução da Bíblia para o Latim), adotou uma posição definida contra tais livros apócrifos. Na Vulgata Latina, encomendada pelo "Papa" Dâmaso 1 (305 - 384), a primeira "Bíblia oficial" da Igreja Católica, não continha os Apócrifos.
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- "Devem Ser Evitados" -
Jerônimo foi o primeiro a usar a palavra “apócrifos”, em sentido depreciativo, explicitamente no sentido de não canônicos, a tais escritos rejeitados. Assim, no seu prólogo aos livros de Samuel e de Reis, Jerônimo alista os livros inspirados das Escrituras Hebraicas da mesma forma que outros "pais da Igreja": em harmonia com o cânon hebraico (em que os 39 livros estão agrupados como 22). Ele diz: “De modo que há vinte e dois livros . . . Este prólogo das Escrituras pode servir como enfoque fortificado para todos os livros que traduzimos do hebraico para o latim; de modo que saibamos que tudo o que for além destes precisa ser colocado entre os apócrifos.”
Ao escrever a uma senhora chamada Laeta, sobre a educação da filha dela, Jerônimo aconselhou-a: “Todos os livros apócrifos devem ser evitados; mas, se ela quiser alguma vez lê-los, não para determinar a verdade das suas doutrinas, mas por respeito pelos seus maravilhosos contos, deve dar-se conta de que não foram realmente escritos por aqueles a quem são atribuídos, que eles contêm muitos elementos falhos, e que requer grande perícia para achar ouro na lama.” — Select Letters (Cartas Seletas), CVII.
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- Estavam Na Septuaginta Grega? -
A Septuaginta Grega é a tradução das Escrituras Hebraicas judaicas para o coiné (ou grego coiné, ou "grego helenizado"), língua falada no Egito entre o 3º Século AC e o Século 1.
Alguns argumentam a favor da canonicidade dos escritos Apócrifos dizendo que eles podem ser encontrados em muitas cópias primitivas da tradução Septuaginta grega das Escrituras Hebraicas, tradução iniciada no Egito por volta de 280 AEC.
No entanto, visto que não existem cópias originais da Septuaginta, não se pode afirmar categoricamente que os livros apócrifos foram originalmente incluídos nesta obra. Os escritos apócrifos foram admitidamente escritos depois do início do trabalho de tradução da Septuaginta, sendo óbvio que não constavam da original lista de livros escolhidos para a tradução por parte do grupo de tradutores. Assim, os apócrifos são acréscimos posteriores a tal obra.
Adicionalmente, embora os judeus de língua grega de Alexandria, no Egito, com o tempo inserissem tais escritos apócrifos na Septuaginta grega, e, pelo que parece, os considerassem como parte dum "cânon ampliado" de escritos sagrados, a declaração de Josefo, já citada, mostra que jamais foram incluídos no cânon de Jerusalém, ou Palestino, e, no máximo, eram considerados como apenas escritos secundários, e não de origem divina.
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- O Testemunho de Jesus e dos Apóstolos -
Mas, a evidência contra os apócrifos mais contundente é que Jesus e os apóstolos não os citaram em suas palavras e escritos, embora citassem a maioria dos outros livros bíblicos. Alguns argumentam que esse fato não é conclusivo, visto que em seus escritos também não possuem citações de alguns livros reconhecidos como canônicos, tais como Ester, Eclesiastes e O Cântico de Salomão. Tais livros, porém, são citados por outros que Jesus e os apóstolos citaram, já que as escrituras se completam. O contrário também acontece frequentemente. As Escrituras Hebraicas citam as Escrituras Gregas extensivamente, principalmente no que se refere às profecias sobre Jesus Cristo e o restabelecimento do Reino de Deus.
Mas os escritos Apócrifos não são citados nem uma vez. Não se faz nem mesmo leve menção deles em parte alguma da Bíblia. E isso é certamente significativo.
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Na Próxima parte vamos nos aprofundar nas disputas dentro da Igreja por causa dos Apócrifos. O que levou a Igreja a adotar uma posição tão contrária à razão, a lógica e a realidade histórica, incluindo a dela própria? Quais são as consequências para as pessoas que ou consideram os apócrifos como livros bíblicos ou não pensam muito na questão?
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sábado, 27 de julho de 2024

Igreja Católica - Como Se Formou? - Parte 8

 Igreja Católica - Como Se Formou? - Parte 8

Uma cópia de página da obra de Agostinho,"Cidade de Deus", datada de 1487. O interessante desta obra é que nela está o pensamento dele sobre a igreja em que exercia poder. E, por analisarmos este pensamento, vemos que a igreja hoje, não se baseia totalmente nele como alega, pois, se se baseasse, estaria mais próxima da mensagem bíblica.

- Pedro Era Papa de Cristo -
É interessante observar que a própria Igreja Católica, ao citar o que considera "seu início", coloca, como os livros de História também seculares colocam, os Pais da Igreja em destaque. Assim, Justino, o Mártir (100-165 DC), Orígenes, de Alexandria (185-254), Agostinho de Hipona (354-430 DC) e outros, sempre são citados como os "originadores", ou pelo menos como aqueles que "definiram o que é a Igreja" que perdura até hoje. E fazem isso com base na História comprovada e não em suposições, teorias, tradições ou crenças.
Por outro lado, quando citam o apóstolo Pedro (os outros apóstolos não são citados), como fundador da Igreja, é por interpretações de textos bíblicos. Já que não se encontra na Bíblia nenhum texto que formalize tal designação, as interpretações - e não explicações claras - são necessárias. E Pedro é colocado como exercendo o papado a partir do ano 30 indo até 67.
O ano 30 soa estranho. Entre outras coisas, os católicos consideram que a "comissão" de Pedro como Papa, se deu quando Jesus falou-lhe, em Mateus 16:13, as seguintes palavras: "tu és Pedro e sobre esta pedra erguerei a minha igreja...".
Só que estas palavras de Jesus foram ditas no ano 33, perto da morte dele na estaca. Assim, a Igreja considera que Pedro, então Papa no ano 30, exercia a "chefia", quando Jesus começou a pregar.
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- A Mutante Lista de Papas -
Na verdade, não existe uma lista "oficial" de papas. Caso o papado fosse de origem bíblica, era para, em ao menos uma das cartas das Escrituras Gregas Cristãs (ou o "Novo Testamento") citar a sucessão de papas. Mas, até o ano 100, ano em que foi escrito o Apocalipse, nada foi escrito na Bíblia a respeito disso.
Além de não existir a lista, a Igreja, periodicamente relança uma lista criada séculos depois, em seu "Anuário Pontifício". Lista essa que tem sofrido modificações a cada relançamento. Por vontade do Papa no poder, alguns papas do passado podem ser retirados, colocados ou recolocados na lista, dependendo do que, em pesquisas históricas, se descobre sobre eles.
De qualquer forma, a Igreja Católica considera mais válida a palavra dos "santos", ou daqueles "pais da Igreja" do passado, do que as palavras da Bíblia. Nas literaturas católicas, são palavras, não dos apóstolos, mas desses "pais da igreja" que ressoam como ordens.
O que disseram esses "pais da Igreja"? O que eles disseram serve de base para entendermos que a Igreja Católica, na verdade, não se baseia nem nos apóstolos e nem nos "pais da Igreja".
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- A Crença na Política -
Volta e meia nos deparamos com escritos dos "santos", ou os "pais da igreja", sempre exortando a crer na Igreja ou a colocar a Igreja Católica sempre em evidência. Mas na verdade, o mais correto é que esses "pais da Igreja" nunca disseram tais coisas.
Por exemplo, o filósofo Agostinho (354-430 DC), chamado de "santo" pelos católicos, e tido por eles como "o maior doutor do mundo católico", viveu numa época em que a corte imperial de Roma e a nova Igreja Católica (criada em 325) eram unidas politicamente. Acreditava-se, por isso, que Deus apoiava o império e que o mundo seria subjugado ao catolicismo "com a ajuda de Deus". Isso aconteceria mesmo se fosse pelo poder da espada romana.
Mas em 410 DC, Roma foi derrotada pelos gôdos, um povo germânico. O povo romano disse que a derrota foi por causa de terem se voltado para o cristianismo e abandonado os antigos deuses romanos. Respondendo a este pensamento, Agostinho escreveu uma "resposta", de 22 livros, durante 14 anos (413 a 426).
Nesta obra, bem como nas outras, não se encontra nenhuma palavra de Agostinho exortando a crença na Igreja. Em sua época isso não era preciso. Eu se cria na igreja ou por ela seria considerado inimigo.
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- Agostinho em Defesa do "Protestantismo" -
Na obra de Agostinho, chamada de "Cidade de Deus", vista como "valiosa obra filosófica católica", há coisas interessantes, normalmente desprezadas pelos atuais católicos. Agostinho defendia, não o que dizia, mas a Bíblia (a "sola escritura" que os católicos desprezam como sendo "protestante") como "valor de fé e autoridade" e não a Tradição. Agostinho também propunha retirar do cânon bíblico os livros apócrifos (Tobias, Judite, Sabedoria, Macabeus, etc.) "porque os antigos pais (os apóstolos) não os conheciam".
Assim, Agostinho defendia, não a crença na Igreja Católica, mas a crença no que mais tarde os "protestantes" pregavam como verdade: a Sola Escritura (ou Somente a Bíblia).
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- Agostinho Não Defendida a Primazia de Pedro -
A respeito da "primazia de Pedro", Agostinho disse o seguinte: “Nós, os que somos cristãos re et ore, em atos e em nome, não cremos em Pedro, mas Naquele em quem Pedro cria." Na sua época, alguns bispos já estavam querendo, com interpretações filosóficas sofisticadas, colocar Pedro como o primeiro "chefe", mas Agostinho lhes respondeu: "não ficamos enfeitiçados pelos seus encantos, nem somos enganados pela sua mágica." Obviamente Agostinho não se deixava levar por aquelas interpretações de textos bíblicos que tentavam colocar Pedro como primaz dos apóstolos. Agostinho acreditava firmemente que a "pedra" mencionada em Mateus 16:18 era Jesus, não Pedro.
Todavia, apesar desse posicionamento correto perante esses pontos de vista bíblicos, não devemos esquecer que ele era um dos "pais da igreja". Por isso, embora parecesse correto em alguns pontos, subvertia outros.
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Se você for católico talvez nunca tenha ouvido um padre falar de Agostinho citando as palavras reais dele. No entanto a obra dele está preservada até hoje para consultas.
Visto que, a exemplo de Agostinho, os primitivos "pais da igreja" advogavam ideias contrárias ao que a Igreja prega hoje, por que ela se tornou o que é hoje, muito diferente do que pensavam seus "fundadores"?
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- O Desejo de Autoritarismo -
Ao contrário do cristianismo do primeiro século, que se baseava nas palavras de Cristo escritas na Bíblia, a Igreja Católica diz se basear no Papa como seu chefe supremo.
Mas, na verdade, mesmo sendo o Papa a maior autoridade no catolicismo, ela é muito dividida. Suas diversas divisões (ou "ordens", como a dos beneditinos, franciscanos, jesuítas, etc.), embora digam reconhecer o Papa como líder, tendem a ter pensamentos próprios e, não raro, críticos ao Papa.
Isso acontece por causa da sua formação. A Igreja Católica se formou a partir de um ambiente que demandava poder de um sobre outros: a corte do Imperador romano Constantino, no Século IV.
Os seus primeiros bispos, tornados "oficiais" a partir do Concílio de Niceia, eram tão gananciosos, por poder e luxo, como os senadores e governadores romanos. E eles brigavam entre si, não só do ponto de vista "teológico e filosófico", mas também do ponto de vista político. E brigavam para obter destaque perante outros.
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- Eusébio de Cesareia -
Um exemplo icônico de como se comportavam tais "bispos", é Eusébio de Cesareia (265 - 339). Ele viveu na época em que o imperador Diocleciano (243 - 312) perseguia e matava os "cristãos". Era para ter sido morto junto com milhares de outros, por ser "cristão", mas estranhamente escapou da perseguição. Alguns dizem que ele, ao ser preso, disse que não acreditava em nada daquilo do qual fazia parte e ainda fez sacrifícios aos deuses pagãos para convencer os romanos.
Seja como for, Eusébio podia transitar livremente entre aqueles que perseguiam os cristãos e até visitar cristãos na cadeia, antes destes serem mortos. Tornou-se Bispo de Cesareia em 313 ou pouco depois, sucedendo o bispo anterior, Agápio (258 - 303).
No Concílio de Niceia (maio a agosto de 325) que tornou aqueles bispos, os líderes da "religião oficial" do Império, Eusébio já era o favorito do imperador Constantino (272 - 337). Ficava num "lugar de destaque" e discursava como quem tinha autoridade (na verdade sua autoridade provinha da proteção do imperador).
Depois do Concílio, já com posição, prestígio e poder assegurados, começou a brigar com diversos outros Bispos a quem chamava de "oponentes".
Por exemplo, Eustácio, que foi bispo de Antioquia de 324 a 332, o acusou de "ter se afastado do credo niceno". Eusébio, embora não defendesse a unicidade de Cristo e Deus, acabou assinando o "Credo de Nicéia", que propunha o contrário do que ele acreditava . O resultado da briga? Graças ao prestígio do Eusébio junto a corte, foi a condenação e a deposição de Eustácio do cargo.
Outro "oponente" foi Atanásio, bispo de Alexandria (296 - 373). Este apresentou sua causa diretamente ao imperador Constantino. Mas como Eusébio era o favorito do imperador, Atanásio é que foi condenado ao exílio.
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- Nuvens Negras no Horizonte -
Esta era, e, de certa forma, ainda é, a organização da Igreja Católica. Está mais apoiada no jogo político do que em "doutrinas de fé".
Ao contrário da época dos apóstolos, quando os cristãos, mesmo espalhados por muitas terras acataram apenas os que os apóstolos, centralizados em Jerusalém, resolviam, a Igreja estava (e ainda está) dividida em "bispados", onde, o que vale não é o que a Bíblia diz, mas o que o bispo local diz.
E esta situação de divisão iria piorar ainda mais. Entre os anos de 440 a 461, a apostasia iria tomar rumos mais radicais e nocivos para as populações, com a aparecimento de um "chefe dos bispos", ou "papa".
E isso é o que vamos ver na próxima parte.
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Continua...